domingo, 18 de outubro de 2015

Turma da Mônica e a nossa prisão imaginária

Acho que todo mundo conhece os personagens da Turma da Mônica, né?
E, consequentemente, sabem quem são Mônica e Magali, assim como as suas características: Mônica, baixinha, dentuça gorducha e bem brava. Magali, gentil, comilona e despreocupada. Pois bem, eu sempre fui meio Mônica. Aliás, bastante. Baixinha, gordinha e até um pouco dentuça. Brava? É, preciso admitir que sim, um pouquinho.
Pode parecer drama de criança, mas ver a Mônica sendo chamada de gorda quando seu desenho mostrava apenas um corpinho infantil cheio de linhas retas era bem incômodo. Que fosse tolerável rir e maltratá-la nas histórias, mais ainda. Na época, eu olhava meu corpo redondo e gordinho, e minha mente tão nova raciocinava: “Se ela é gorda, eu sou o quê, então?”.
E eu também sofria provocações constantes por causa do meu corpo, claro. Mas, ao contrário da Mônica, eu não era assim tão boa em me defender. Ficava irritada comas ofensas, é verdade, e até reagia em alguns casos, mas acho que nunca fui tão enérgica quanto ela. Nunca devolvi provocações, nunca corri atrás de quem me xingava ou atirei um coelhinho azul em ninguém. Pra ser sincera, eu mal demonstrava que ficava triste ou o quanto isso me incomodava.
Por que isso acontecia? Por que a minha braveza nunca serviu pra reagir de verdade a essas agressões?

Talvez vocês fiquem tão surpresas agora quanto eu fiquei ao notar que a minha falta de reação é porque eu acreditava que era pra ser assim mesmo. Me esforcei pra encontrar outra explicação, mas não foi possível… O preconceito e a agressão a pessoas por causa de seus corpos e aparências era tão normalizado, tão presente e aceito, que eu sequer tive oportunidade de pensar no assunto. Azar o meu ser assim. E pronto.
Aprendemos que somos erradas, de um jeito ou de outro, e que a única saída é aceitar isso e nos rejeitar, nos esconder, nos modificar. Não nos é dito que podemos pensar diferente, que podemos ser diferentes, e que é o nosso direito defender quem somos e o nosso bem-estar. Não é novidade, todas sabemos: não nos é ensinado que é possível gostar de nós mesmas.
À medida que crescemos, vamos constantemente sendo enfraquecidas; vão sendo retiradas, uma a uma, nossas armas e nossas defesas. E, verdade seja dita, nem sempre as ofensas chegam aos gritos e risadas, como acontece nos quadrinhos. Aliás, na maior parte das vezes, não há dedos apontando, e tudo é muito mais sutil. São proibições silenciosas e comentários abafados. A ausência de roupas do tamanho certo. A falta de representatividade na mídia. O julgamento disfarçado de preocupação, conselhos que a gente não pediu, elogios cheios de ressalvas, olhares que mais parecem tapas… E isso vira a nossa rotina.

Nós crescemos em tamanho e em limitações. Aprendemos proibições. Aceitamos a prisão. E, paradoxalmente, penso que, na verdade, nós vamos sendo diminuídas. 

“E que inveja da Magali que come um monte e não engorda!” – eu continuava pensando. Eu não comia demais. Nem a Mônica, que quase nunca aparecia comendo nas historinhas. Que azar o nosso de termos nascido erradas! O jeito, então, é não comer mesmo, né? Fazer o possível pra contornar esse problema, pra mudar e tentar encontrar um jeito de não ouvir mais as risadas e ofensas. Investimos o nosso tempo em aprender regras e moldes, apontar defeitos, descobrir formas novas – e, diga-se, uma mais inalcançável que a outra – de corrigir quem somos. E, acima de tudo, aceitamos cada vez mais limitações.


Ilustração da HQ linda do Vitor e da Lu Cafaggi.
Não posso comer o que gosto, não posso comer muito. Não posso usar essa saia. Não posso me interessar por essa pessoa. Não posso ir naquela viagem à praia. Não vou fazer uma tatuagem. Não transo de luz acesa. Não quero sair em fotos. Não sirvo pra fazer esses exercícios. Não mereço esse elogio.

Contei sobre essa minha reflexão com as personagens para ilustrar, porque fiquei surpresa de verdade com essa percepção, chocada que o meu corpo e a minha alimentação já fossem preocupações na infância. Infelizmente, as proibições e rejeições começam bem cedo na vida e, o que é pior, continuam a aumentar em número e intensidade. É triste pensar que, em grande parte, as coisas não mudaram em nada. Quantas outras limitações eu aprendi desde então?

Quantas coisas eu acredito que não posso fazer?


Quero que reflita também sobre como isso aconteceu pra você, sobre as suas limitações. Quantas delas são por causa do seu corpo? Quantas experiências você já rejeitou por causa da sua aparência? Quando você começou a pensar assim? E o mais importante: quantas dessas limitações você mesma está se impondo?

Muitas das nossas grades não são colocadas à força por algum agente externo. Não. Acontece algo ainda mais doloroso: nós mesmas vamos as construindo, pouco a pouco, com cada comportamento aprendido, cada regra seguida, cada proibição aceita. Nós vamos aceitando essas grades como a verdade, e terminamos presas em nossos próprios corpos. A mente fervilha de vontades, desejos, tesão, energia… e tudo esbarra e desmorona diante de um doloroso “não posso”. Evitamos a transformação das nossas ideias em ações, porque abrimos mão da ferramenta que temos para fazer isso: o corpo.

Ao invés de um veículo para agir no mundo, ele se torna mais um obstáculo. Enganadas e presas, acabamos não aproveitando a saúde, alegria, bom humor e disposição que temos. Continuamos paralisadas, sem ver o que nos impede, sem procurar as grades.

E sim, eu entendo que pode ser realmente difícil confrontar todas essas ideias aprendidas e tentar fazer diferente. Elas acabam se tornando muito íntimas, próximas, muito nossas. Então, me conceda a licença de repetir aqui o seguinte: é preciso lembrar constantemente de que o seu corpo é um veículo incrível, capaz de coisas extraordinárias. Imagine a quantidade de processos químicos, físicos e mágicos (por que não?) que acontecem só pra você acordar todos os dias. O trabalho microscópico em cada uma das suas células, o fluxo de energias, a trabalhosa composição e tradução de pensamentos em movimentos que te permitem fazer o café da manhã ou viajar pelo mundo. Eu sei, eu sei. Bem clichê e até bem brega, mas necessário. Continuar aceitando limitações imaginárias é desrespeitar tudo isso e seguir por um caminho de insatisfação e incompletude. Só percebendo todas as coisas interessantes, divertidas, enriquecedoras, complicadas e diversas que seu corpo te permite é que surge a chance de tratá-lo com o carinho e respeito que ele merece. Dê uma chance a esse pensamento.



Sabe aquela situação em que você acorda, mas não consegue se mexer? Já aconteceu comigo algumas vezes. Talvez já tenha passado por isso ou até mesmo sonhado com isso. Você vê e ouve tudo, mas é como se o seu corpo não reagisse e não fizesse o que você quer. A sensação é de medo, frustração, desespero. Pra mim, é inevitável pensar que, quanto mais aceitamos as proibições e rejeitamos nosso potencial físico, mais a nossa realidade fica parecida com esse estado de paralisia e prisão.


Eu não posso, tu não podes, ela não pode… O que está nos impedindo?

Não vamos permitir que isso continue! Não permita que aconteça com você. Reaja. Use o seu corpo, porque você pode. Ele é a sua maior ferramenta. Eu prometo que vou usar o meu também.  =)






Beijões Queen Size,

Claudia Rocha GorDivah

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